domingo, 25 de outubro de 2009

Germânia (98d.C.) por Tácito

















I


Toda a Germânia está separada das Gálias, da Récia e da Panônia pelo Reno e Danúbio; da Sarmátia e da Dácia por alguns montes e por seus mútuos temores. O resto é circundado pelo Oceano, abrangendo golfos espaçosos e vastas ilhas, com habitantes e reis que a guerra nos fez descobrir recentemente. O Reno nasce de um despenhadeiro inacessível dos Alpes Récios, e depois de torcer um pouco para o poente desemboca no oceano setentrional. O Danúbio, espalhado de um monte pouco elevado e de acesso suave no monte Abnoba, passa por muitos povos até que se lança ao Ponto Euxino por seis bocas, a sétima some nos pântanos.

II

Creio que os germanos são naturais da própria terra e que jamais se mesclaram com a vinda e hospedagem de outros povos; pois, antigamente, todos que emigravam não iam por terra senão por mar e são raros os navios que de nosso mundo se aventuram a penetrar no Oceano imenso e, por assim dizer, oposto ao nosso. Ainda sem o perigo e o horror de um mar desconhecido, quem abandonaria a Ásia, África ou Itália para dirigir-se a essa Germânia áspera, de clima duro e de aspecto tão ingrato, não sendo para seus naturais?

Entoam velhos cantos (que são sua única história e todo os seus anais) ao deus Tuistão, nascido da terra, e a seu filho Mano, como raízes e fundadores de sua nação. A Mano dão-lhe três filhos, dos quais tomaram nome os ingevões, que são os mais costeiros, os herminões, que ocupam o centro, e os istevões, que são os restantes. Alguns, porém, baseados em tal antigüidade, aumentam o número dos filhos do deus e aludem à denominação de mares, gambrívios, suevos e vândalos, afirmando que estes são seus verdadeiros e primitivos nomes e que o de Germania é novo e foi incorporado há pouco, pois os primeiros que passaram o Reno, desalojaram os galos, e agora se chamam tungros os que se chamavam germanos, de modo que um nome que era só de uma parte do povo foi prevalecendo até o ponto em que, desta denominação, tomada a princípio pelos vencedores para inspirar terror, e adotada depois por todo o povo, chegaram todos a chamar-se germanos. Também falam que houve entre eles um Hércules, a quem cantam como herói sem par quando se dirigem ao combate.

III

Possuem também outras canções que chamam bardito, cuja entoada anima-os ao combate e anunciam à boa ou má fortuna que vai ter lugar, segundo o efeito que lhes causa o som. Mais que harmonia de vozes, aquilo parece ser a expressão de seu valor, pois procuram sobretudo produzir um som áspero e um murmúrio entrecortado e colocam o escudo à boca para que a voz ressoe e fique mais cheia. Dizem alguns que Ulisses, ao chegar a esse Oceano em sua grande e fabulosa viagem, chegou à Germânia e fundou e deu nome a Arciburgio, cidade situada às margens do Reno e que ainda está habitada. Dizem que foi encontrado um altar consagrado a Ulisses com o nome de Laertes, seu pai, e que ainda existem nos confins da Germânia e da Récia alguns monumentos e tumbas com inscrições gregas. Não tenho intenção de confirmar nem de refutar com argumentos estas notícias; cada um pode dar-lhes crédito ou não segundo sua inclinação.

IV

Sou da opinião dos que crêem que os povos da Germânia não se alteraram por casamentos com nenhuma outra nação e que são uma raça singular, genuína e semelhante só a si mesma. Portanto, possuem uma perfeita analogia de figura entre eles, ainda que tão numerosos; são de olhos azuis e selvagens, de cabelos ruivos, corpo avantajado e forte só para o ataque violento, mas não suportam com resignação os trabalhos e as fadigas, metem-lhes medo o calor e a fadiga, todavia toleram a fome e o frio por afeitos à avareza e à inclemência do clima.

V

Este, se bem que desigual em algumas regiões, é universalmente sombrio pelos muitos bosques que o formam e desagradável pelos muitos pântanos que o encharcam. Para o lado das Gálias é mais úmido e mais exposto aos ventos para o lado da Nóvica e da Panônia. É fértil em grãos porém, não em árvores frutíferas. É fecundo em rebanhos, mas de proporções reduzidas. Os bois não apresentam pela conformatura e os adereços que lhes ornam a fronte são pobres no tamanho. Amam a abastança e são estas já citadas as suas únicas e mais gratas riquezas. Não sei se foi por mal ou por bem, o certo é que os deuses lhe negaram o ouro e a prata.

Contudo, não me atreveria a assegurar não existia alguma mina desses nobres metais. Quem, porventura, já o investigou? O fato é que eles não lhes emprestam o valor que lhes dão os demais povos. Entretanto, vêm-se ali vasos de prata que costumam presentear os seus embaixadores e príncipes. Porém, não os estimam mais do que se fossem de barro. Sem embargo, os que vivem em nossas fronteiras, tendo em vista o comércio, apreciam o ouro e a prata e, por isso, selecionam algumas espécies das nossas moedas. Os do interior, atendo-se à velha usança, permutam as mercadorias com a maior simplicidade, trocando umas coisas por outras. Preferem a moeda de cunho antigo e, por esta razão, mais conhecida como serratos e bigatos e se inclinam mais pela prata do que pelo ouro, não em virtude de pontos de vista particulares, mas porque as moedas de prata é dinheiro mais cômodo para os que mercadejam objetos comuns e baratos.


Os cinco primeiros capítulos de Germânia de Tácito.

O historiador romano Públio Cornélio Tácito, mas conhecido por Tácito, viveu no período entre 55 d.C. - 120 d.C., nasceu e morreu no sul da França, no mundo romano parte da Gália.

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